quarta-feira, 29 de março de 2017

Habita-me




Apelos silenciosos me esmurram
Emudeço com gritos abafados
Teatralizo-me
Trajes garbosos em um rosto friamente pálido
Disfarce da superficialidade
Vida rasa que me afoga
Debatendo-me em chão frio
Arrastaria minha face em um solo da verdade, áspero e vulcânico
Mas só sei fingir
A covardia dos medíocres habita-me.


                                                                                          Aranda l” 

sexta-feira, 24 de março de 2017

.

Há uma discreta tristeza quando eu passo por mim
A vós comuns
Sois um gatilho de um contentamento intolerante
Farsa
Fingimento dos que vivem
Há verdade nos que sobrevivem
Os confins de si habitado por sombras

Fechar os olhos e ver
Basicamente
O eterno esconde-esconde da vida real
Essas coisas que consomem a gente
E só se calam no alvorecer da escrita
Escrevera até estranhar a caligrafia
Sombras com gente dentro


                                                                                      Aranda l” 

quinta-feira, 16 de março de 2017

Mãos dadas




Dizes: Se desistires de ti, já terás, então, desistido de mim.
Gosto de imaginar o teu dizer levemente sussurrado percorrendo os emaranhados dos meus cabelos e penetrando delicadamente em meus ouvidos.
Ecoando por todo meu corpo como uma corda de violão que estica ao limite e cede às vibrações pulsantes do estremecer.
Estremece-me.
Faz do teu silêncio a paz que procuro
Faz do meu afinado desconcerto  os teus dias perto do fim
Invade-me
Não como quem me salvas, mas como quem deseja ser salvo
Então, salvar-me-ei pra ti
Salvos, um do outro
Ou um pelo outro.

                                                                                             Aranda l”

terça-feira, 7 de março de 2017

Flanar

Dói-me o existir
Dói-me mais ainda ser um alguém
Sombra de si a inexistir

Quisera eu ser um ninguém
Lembrança em pedras duras de um chão de necrópole
Intitulado indigente da vida

Dói-me
Dói-me o outro
Dói a mim

Quisera eu ser um ninguém
Para não doer tanto assim
E flanar, apenas flanar
Sem carregar o vulto de mim

Figura indistinta
Pobre alguém perdido
Tens mesmo piedade de mim?

Finges me ver
Enquanto finjo ser um alguém
Acreditas que minha piedade por mim é escárnio?
Flanar-me-ia assoviando para longe de ti

Dai-me um instante de nenhuma pessoa
Vagabundarei para a penumbra
Onde olhos não me alcancem
E nem mesmo eu alcance a mim.



                                                                                             
                                                                                              Aranda l”















Condolências


Fora ao enterro da sua última quimera
Entre suas mãos delicadas escorre um punhado de areia
Areia movediça do nada
Prestes a sugá-la

Bailava entre seus olhos micropoeiras
Quem haveria de reparar nelas
Senão quem fosse tão igual
Sopro do nada

Oh! Ocaso faz-me de ti
Desceria vagarosamente iluminando-me na escuridão
Último pôr do sol de si
Miragem do nada.

                                                       

                                                                                              Aranda l”


domingo, 5 de março de 2017

Cala-te!

Cala-te!
Não sussurras que desejas vir-a-ser escritor.

Cala-me!
Alma atormentada, sempre a vagar por si entre a melancolia e a solidão do desprezo pelas pessoas.
Ah! Sensíveis há muitos, mas angustiados na própria pele percorrem o inefável caminho solitário.
Tão amaldiçoado em si que só a si tenta compreender.

Cala-me!
Lançando-se no abismo da escrita como quem rasga de si toda aquela agonia.
Empurrando a dor para as letras como quem precisa salvar-se, desafogar-se, expulsar a si de si mesmo.

Cala-me!
Dando voltas em si mesmo entre um gole de bebida barata, um cigarro queimando entre os dedos e um outro para penetrar em seu corpo nu - Objetos descartáveis ao bel prazer.
Gira a cabeça para os papéis e sorri. De todos os prazeres sabia que escrever era o perder-se do despertar.

Cala-te!
Não, não me venhas com o desejar ser um escritor se não te sangra a alma.
Se a existência não é desalento.

Cala-me!
Ocultas em mim a dor entre desadequação e padecimento do eu diante da existência.
                                                                                 
                                                                                      Aranda l”

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Insaciável




Eu tinha fome.
Uma famigerada fome intelectual.
Alimentava-a com migalhas de uma ilusão : aventuras intelectuais guiadas por um mentor que entrelaçasse seu intelecto no meu já cansado gênio.
Aguardava com uma ilusão famélica. Ilusão que beirava a loucura daqueles que não desistem de si, mesmo quando se percebem perdidos contemplando o nada.
Quem haveria de dar-lhe a intelectualidade como quem sacia um esfomeado sem forças para alimentar-se?
Eu esperava impacientemente com toda calma de uma consciência que não adormece.
Haveria de ser meu os dias letrados de uma mente 'bibliotesca". E nos uniríamos como quem rasga a si e penetra violentamente com a suavidade do gozo da sapiência.
Famigeradamente insaciável.
E no mais tardar de um amanhecer sobre livros e páginas rasgadas veria meu cérebro exposto a lembranças que morrerão diante das falhas humanas. E só sobraria o meticuloso prazer da ilusão dos doutos.


                                                                                                               Aranda l”


quarta-feira, 25 de janeiro de 2017

Escapismo




Dizem as bocas malditas que ela é narcisista
A forma mais cruel de sobrevivência
Olhar só pra si
Mas talvez só seja a fuga mais bonita dela

Ninguém nunca a perguntou como sobrevive
Ela diria que dói mover-se por entre a gente
E morrer cerrada em si
É covardia desumana
Mas é a sua única chance de mantê-la viva

Penso que ela se amava demais para matar-se
Ela me segura pelos braços e diz com voz firme:
- Há mais ódio que amor entre o espelho e eu!



                                                                                                    Aranda l”

segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

Ouro de tolos

Eu poderia jogar minha vida para o alto e a veria rodopiando sem destino tal um galho seco e disforme.
E ninguém, absolutamente ninguém, além de mim, olharia para os ventos a minha procura.
Chicoteada pelo esvoaçar dos cabelos continuaria imóvel fitando o céu negro
Há prazer em pertencer ao abismo de si mesmo

Entre raios uma claridade desponta
Imagino que um vento suave repousa-me nas mãos de um outro
E encontro ali um refúgio de mim mesmo
Escondo-me

Não vês? Cega-me!
Tapa-me os olhos
Faz da tua pobre existência
Minha miragem

Os meus olhos sangram de tanto eu
E, talvez, sangrassem muito mais de ti
Mas escorreriam entre meus lábios docemente
De mim tenho bebericado amargor

Gargalho bruscamente
Por vezes, faço-me rir com estúpidas imaginações
Entre ecos inaudíveis
Emudeço aquela gente que ousara passar por mim
Ouro de Tolos!

.
                                                                                                Aranda l”




quarta-feira, 18 de janeiro de 2017

Fantasmagórica


Ela sentou e chorou compulsivamente
Já havia tempo que não sabia o que fazer consigo
Mas naquela tarde sua existência sangrou
Olhou para si 
Com olhos tão desacreditados
Que um suspiro mais profundo a levaria dali

Não era sobre um amor que partira seu coração
Não era sobre um outro que inevitavelmente nos deixa sem se despedir
Era sobre o que sempre resta 
Quando nada nos resta
Era sobre si

Dores existenciais excruciantes
perfurando sua existência
Iludindo a si mesma
Não aceitou um mundo que ela mesmo criou para si

Habitava uma casa, mas não pertencia mais ali
Ao pisar os pés para fora, pisava em si
E doía
A vida real não era ela
Ficção de si mesma 

                                                                                                  Aranda l”






segunda-feira, 9 de janeiro de 2017

Somos todos assassinos!

Assassina, Assassina!! Gritavam os malditos esperançosos com mantras entre os lábios.
Ah! Se soubessem que matei a mim. E se não os coloquei naquele chão frio e fétido foi porque não valem sequer um olhar de bajulação covarde para mim.
Haveria de lidar com meu olhos penetrando em mim como dois facões afiados a rasgar-me.
Não me regozijaria com dizeres de piedade.
Eu sou assassina de minha própria vida.  Ou de uma vida que deram a mim.
Me deram uma vida que não pedi.
De longe olhei pra ela com um desdém confortante, mas manipulada fui conduzida a dar-lhe a mão e sair por aí.
Fechei os olhos e a acompanhei como quem simula contentamento de si.
Um dia vi carregando sobre meus ombros a tal vida que deram pra mim.
Sorri sem graça para os que passavam por mim. Todos com covas prontas para o enterro de si, mas sorriam laconicamente como quem desdenham-se.
Cavando os próprios túmulos todos os dias cruzavam entre si.
Só eu enxergava os pesos acoplados em suas costas ou eles também o viam em mim?
Sorrateiras vidas ainda riem entre si. Procura-se um outro para esgueirar-se de si. Duas vidas sendo carregadas. Seria a imagem de quatro farsas a fingir?
Palco de ilusão: uma vida que inutilmente não me pertence.
Entende agora o assassinato?
Eu não poderia matar- me. Não há suicídio aqui.
Assassina. Gritem bem alto.
Eu matei uma vida que não era minha. Não era eu ali.
Eu olhei para o espelho e vi uma paralítica deformada em cima de mim.
Ordenei que andasse, mas ela nem se mexeu pra mim.
Ordenei que mudasse, mas ela baixou a cabeça com ares de vítima pra mim.
Ordenei que vivesse,  ela cravou a unhas em minhas costas com medo de si.
Um dia cansada de suportá-la dei-lhe a morte de presente e ela sorriu pra mim.
Assassina, Assassina!!
Sim, sou assassina  de uma vida que não pertence a mim.
Não haveria de fazer conchavos com dias já mortos como quem finge viver.
Somos todos assassinos, meu caro. Apenas alguns não fingem até o fim!

                                                                                                  Aranda l”

Apenas um conto






Uma menina no fim de um corredor gélido e vazio de um hospital fita o céu negro, através de uma pequena janela, com olhos piedosos clamando em silencioso ardor por uma ajuda divina. Do céu desce tão rápido, que mal pudera ousar piscar os olhos, uma estrela cadente. O seu feixe luminoso se esvai rapidamente, mas não sem antes penetrar em seu pequenino ser a esperança que seu pedido fosse atendido.
É bem verdade, reza a crença popular que ao vê-la deve-se fazer um pedido e este prontamente será atendido. Embora há muito já não creditasse o destino nas forças divinais, nesse momento era preciso ao menos acreditar que fora um sinal do universo conspirando a seu favor.
Triste verdade! Tal qual a vertiginosa passagem, ele se fora.
Ela não permitiria que ele fosse. A bem da verdade, ela não aceitaria. Naquele instante ela não tinha sequer percebido, mas tinha ido embora com ele.
A morte do pai fora a morte em vida dela - e só mais tarde ela perceberia.

                                                                                                                 Aranda l”

quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

Flor cacto





Mirava o horizonte e só via flores
Lindas flores tão cheias de si
Tanta beleza perfumada
A mim casco duro a esverdear o deserto

Não era sobre ser flor
Era sobre ser cacto

Silêncio ensurdecedor do ermo
Lá estava o pequeno cacto a suportar solitariamente os ventos que passa por si
Flores delicadas
Tão amadas, quase idolatradas
A mim casco duro a esverdear o deserto

Não era sobre ser flor
Era sobre ser cacto

Era sobre ser deserto de si
Não fina flor delicada
A morrer despetalada
No arrepio de um vento

Era sobre ser flor cacto
A mais forte do jardim

Mera flor a dar-se em último suspiro
Para mostrar beleza a qualquer um?
Não era sobre ser flor
Era sobre ser flor cacto
Admirada só por si

Solitária
Floresceu
Como quem liberta-se

O cacto tinha uma flor
Ou talvez a flor tivesse um cacto.




                                                                                                                     Aranda l”



quarta-feira, 4 de janeiro de 2017

Mas Moça...






Com ares de coragem
ela tenta suportar o peso da covardia

De todos os "quases"
Esse fora o quase mais profundo de todos
Dilacerando-a

Moça,
não chora

É sua especialidade
Afastar o outro
Como quem afasta a si mesmo
Morres de medo de ti

Você é um quase
E as pessoas se cansam de quase vidas

Quase ia e ficou
Quase se entrega e recuou
Quase coragem
Quase

Quase vida
Quase morte

Moça, não pensa em morrer
Você já não existe

Moça, olha pra ti
Definhando
Sob olhos incrédulos
Derramando lágrimas de uma quase existência

Ah! Moça
A moça chorou por alguém
Ou chorara por si?

Moça,
Foge
Esconde o sentimento
Finge que o odeia

Ele vai cansar de ti

Moça,
não seja covarde

Ela sussurra: - Dai-me a mão meu quase
Mas de longe observa
Agora em silêncio
Seu quase partir

Moça,
Há nisso muito coragem em ti.


                                                                              Aranda l”