terça-feira, 27 de dezembro de 2016

Impermanência







A quem me dizer?
Ao vento,  para levar-me bailando  em redemoinhos sem destino?
Ao mar, a beira de um precipício, para engolir-me em lenta e silenciosa  imensidão?
As estrelas mortas que fingidamente brilham?
Ao outro, puro reflexo da ilusão do meu eu?
A mim?
Um eu que não existe?

Se não existo a quem importaria me dizer?
Ao próprio eu que não existe?
Não existindo seria a melhor forma de dizer-me?
Vácuo existencial sem fala - muda.
Ou muda.

Mas para mudar- me não teria eu que ter existido?
Muda.

De silêncio em silêncio 
Para que dizer-me?
Se não existo não posso mudar o que nunca existiu 
E o que teria a dizer sobre uma inexistência?
Muda.

Mudez mesquinha
Calando não existo 
Falar-me-ei
Sobre o pretexto de escutar-me
Perguntas com respostas prontas 
O eu existe
Só para fingir decifrar-me
Muda.

O eu que não existe calou a mim que finge viver
O eu falou: - Mas quem finge não são as estrelas que já não existem?
Cale o eu. 
Mudez forçada.

O eu existe quando quero me enganar e me enganando já não posso dizer-me
Pois o dizer não existe 
Se há uma inexistência de mim

Não posso dizer o que não existe?
Ou criando um novo eu posso dizer-me?

Escute o outro.
Está a dizer-se
O encontro de "não- eus".
Pequenos "eus" inexistentes a existir só para si mesmos.


                                                                                                     Aranda l”




segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

Miragem



Ela abriu uma fresta da porta do eu para sair de si
Tentando suportar sozinha, mira o nada
Olhos para fora
E um olhar melancólico para dentro

Ofuscante multidão
Vozes estridentes
Falas que ela não quer escutar
Faces que não deseja ver

Angústia dilacerante
O outro precisa entrar
Mas não sem antes ela sair

Olhou para si
Mais uma insignificante dentre todos
Tão desimportante quanto qualquer um
Tão especial quanto qualquer outro

Comum
Mas dentre todos os comuns
Pulsa o desejo ardente de sumir

Inimiga de si
Não ultrapassa a porta
Correntes presas em perfilhados pensamentos
a cansam antes da partida.

                                                                                                                Aranda l”

domingo, 11 de dezembro de 2016

Há em mim tanta insatisfação que posso me embriagar em sua imensidão
Doce desilusão - não se vê com olhos fraternos

Amargo fim se comparar sem fim
Sempre tão distante beirando a irrealidade

Sempre tão ausente
Sempre tão sozinha





                                                                   Aranda l”



Invisível



Invisível tentando ser invencível
Nada mais repugnante
Vencida por si
(In)sensível

Invisível
Mendiga de si
Rodeando banquete alheio
Suscetível

Invisível
Olhos que não a enxerga
Próprios olhos cegos
Em um rosto sem forma
Irreconhecível

Invisível
No sumiço não é notada
Em presença desprezada
Inacessível

Invisível
De tanto se perder dos outros
Não sabe o que fazer de si
Incompreensível

Invisível
Solitariamente
Preferível


                                                                Aranda l”


quinta-feira, 17 de novembro de 2016

A beleza da (in)existência de um alguém






Ele se foi
Mas já havia ficado dentro dela
Ele a havia tocado profundamente
Deixou a paixão

Ela havia desejado tal sentimento por ele
E embora ele tenha ido embora
Ela se afeiçoou a paixão
Talvez a inocência de senti-la pela primeira vez tão intensamente
a absorva da dor

Seus dias passaram a ser a certeza da espera sem volta
O silencioso sopro da paixão
Uivando em noites tristes

Ah!Doce melancolia
De tempos que nunca virão

No silêncio da sua solidão
Hoje convive com uma paixão.


                                                                                     Aranda l”



quinta-feira, 27 de outubro de 2016

À margem de si



Deitada em sua cama – quem não a conhecesse, ao vê-la ali, imaginaria que vegetava. Não deixara de ser verdade, ela estava presa em si mesma.

Naquela fria madrugada acordou-se de sobressalto e com os dedos retorcidos por dentro da gola da camisa, levantou a si mesma a dois palmos do chão e com um furor que beirava a odiosa compaixão imprensou-se na parede, fitando os olhos naquilo que havia se tornado.

Não era um devaneio, nem sequer loucura. Chegara ao limite de si mesma. Fina linha tênue entre a vida e a morte. Tempos e tempos podiam se passar a mirar o nada. Mas era um nada tão cheio de tudo, e ela estava, literalmente, tão cheia de tudo que transbordara de si em si mesma. Não sentia amor, nem tampouco tristeza. Apenas a plenitude do silencioso vazio.

Ela já não se reconhecia para saber quem é, já não sabia quem fora e nem ousara imaginar quem seria – e se seria algo algum dia. E por que teria que ser? Por que haveria de ser?
Ela tentava entender, mas quanto mais tentava se via caminhando para o nada – indo para longe da vida. Olhava para trás se desaproximando do fino véu nevoado que a separava de si mesma.

Ouvia vozes doces em seu ouvido – os outros. Ah! Os outros não a bastava. Não porque ela não quisesse, mas porque isso simplesmente não bastaria. Ela até os queria, mas o não querer de si mesma era mais forte. Entendera que não tinha nada a ver com qualquer um que fosse, era ela com ela mesma. Só existia ela com seu próprio eu carrasco.

Há um momento em que nem a si mesmo se consegue enganar. O seu eu parece que vem lhe pedir satisfações. Parece inconformado com você, por vezes chateado – agora sempre sério e severo lhe espreita – ele quer satisfações. O que fizera da sua vida? Deixara você livre por muito tempo e você sente que fizera tudo errado.

Afrouxa as mãos do pescoço, cai no chão, enfia a cabeça entre as pernas sobre-erguidas e permanece lá no canto da parede.
Doía o nada, doía ser um nada. Por que e para que seguir em frente? Não havia vontade. Não existia esperança. Só havia angústia. Uma angústia fina e excruciante que ela se apegara tal qual uma simbiose para lembrá-la que ainda estava viva – um fingido viver: quase viva ou quase morta.

Mira o relógio antigo, empoeirado e sem mexer nenhum dos seus ponteiros. Simpatiza por ele – em algum momento havia parado no tempo, tal qual ele. À mercê de tudo e todos. Vagando no limbo existencial. Sabia-se á margem de si.

Por alguns instantes enxergava um véu cristalino entre seu mundo à parte e o real, aproximava suas mãos delicadas tocando-o levemente como se flutuasse por fluídas águas, sentia vontade de ter sua vida de volta. Mas imediatamente desencostava as mãos e perguntava-se: Que vida? Que maldita vida? Já não sabia se tinha mais vida, mas não desejava aquela sobrevida.

Espreitava de olho de canto toda aquela gente que supostamente vive. Entediada fazia cara de repulsa. Esboçava náusea. Não queria ser igual a toda essa corja da sociedade, ou não assumiria ser.

Começara a ter raiva dos outros, além de si mesma. Era reconfortante. O limite a cutucara – naquele momento a raiva era o único sinal de vida dentro de si.

                                                                                 Aranda l”

segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Certezas







Olho-me timidamente no espelho.
Mal consigo me cumprimentar.
Talvez porque eu nem sequer me reconheça.
Teria o espelho uma passagem secreta para outro lugar?
Teria eu ido embora em uma dessas olhadelas? Partido sem olhar para trás?
Desconfio que fora entrando lentamente - como que nada quisesse ou como se tudo desejasse - parte por parte do meu corpo sumindo dentro de um quadro espelhado.
Quem era aquela que eu via?
Ela me causava repúdio, isso era inegável. Mas porque causaria?
Me aproximo mais. Parada em frente ao espelho olho no fundo dos seus olhos.
Por que me enganar com olhos reluzentes se dentro há tanta escuridão?
Minifaróis voltados para trás.

Desando dois passos.
Olho-me dos pés à cabeça. Ânsia.
Dou-lhe as costas. Respiro fundo.
Espio de canto de olho.
Quem era aquela?
Franzo a testa.
Quem eu era?
Era? Porque me pergunto no passado?
Eu deixaria de ser, então?
Saberia eu que no futuro eu não seria eu?
Futuro?
Espera um pouco. Ainda penso no futuro?
Ainda há esperança em mim?
Seria esse o motivo do repúdio?


                                                                                                        Aranda l”

Dos fingimentos



Saistes de si ao encontro do outro
O outro que é apenas um outro
Mas decidistes que não seria apenas um outro
E passastes a ver com lentes de  aumento
Aquelas tuas malditas lentes da idealização

Saistes de si carregando a menina sonhadora
Que desejava aquele outro que seria seu suspiro mais lento e profundo
Aquele que andaria de mãos dadas
Endireitando o compasso dos seus descompassos

Um passo em falso
Ou um passo para trás?

Havia se perdido de si
Encruzilhou-se
Brincando de escolher
Fingiu o escolhido

Eram dois em um
Um que brilhava seus olhos e os guiaria tal qual faróis em seu caminho
Outro q continuava apenas um outro dentre todos os outros

Um passeio sem volta
Separou-os

Voltou a si.

                                                                                           Aranda l”

quarta-feira, 5 de outubro de 2016


                                                                                           
                                                 © Edward Hopper, "Noite de Verão".

Intelectual
Seria um livro ambulante?
Sempre citando e citando os geniais.
Convicções dos outros.

Intuitiva
Seria uma flor exalando misticismo?
É afeita a sentir o que cita o intelectual.
Convicções dela.

Caminhos cruzados.

Ela, fita a lua cheia e declama poesia.
Ele, fita o longe ansiando saciar desejos.

Emaranhados de um destino frágil.
Um livro ambulante chamado desejo
e uma flor vibrando desabrochar laços
Conexões fracas.

Carência furtiva festejando sexo.
Carência emotiva deliciando-se de si mesma
Ele, procura o outro
Ela, a si mesmo

Silencia, apenas silencia.
E ouve ecoando vozes vindas dele.
O vazio dele ecoa, mas quem fala são os outros - gemidos e sussurros.
Ele não se basta.
Ela se basta tanto que se enche do vazio dele.

Caminhos descruzados.

Para ela, bastava o inexplicável.
Para ele, o explicável e inescusável desejo.

Talvez a velhice em último suspiro despertasse a força transcendental do afeto.
Mas livro não sente.
Apenas cita o que fala os ditos geniais.

Uma resposta para tudo.
Nenhuma resposta pra si.


                               

                                                                                     
                                                                                              Aranda l”

sexta-feira, 23 de setembro de 2016

(In)compreensões



Passeava entre as pessoas
Observando um a um
Caminhava delicadamente
Em direção a nenhum

Outros e tantos
Mas só tinha olhos para si
Olhos para dentro
Compreendendo-se

Dispensava um a um
Talvez até dispensasse era mesmo a si

Sentada na antessala do eu
Abre delicadamente uma fresta de si
Espia de longe
Um escolhido, enfim

Luz fina irradiou
Outro cruzou
Um passeio fez-se nela

Mas era tarde demais
Só ela cabia em si
Ele não a compreendia
Ela tampouco a si.
                                                 

                                                                                                      Aranda l”

sábado, 17 de setembro de 2016

Solitaria(mente)


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Silenciou-se
Um silêncio tão sincero que transbordara plenitude.
Dias em comunhão consigo. 
Com ares de um arrebatador amor por si entre olhares bobos e sorrisinhos tímidos.
Como se uma donzela apaixonada tivesse deixado em alto mar o marinheiro e agora olhando sua chegada não se contivesse em si.
Ela romantizava a si mesma. Um romantismo de dor e angustia existencial. 
Perguntara a si: - Havia algo mais encantadoramente fascinante?

Lua cheia, poesia, o total esvaziamento da mente a cada grafitada naquele papel em branco.
Naquela noite apenas desenhou horas adentro. No clarão da madrugada o lápis quebrou ao meio.
A fina delicadeza que repousava em sua mão deu lugar ao pesar que sobressaltou-se a uma indagação odiosa.

Parou. Bebeu um gole de vinho como que tomando um gole de si.
Silêncio.
Um outro silêncio.
Tomada pela pergunta levou a mão à cabeça e apenas quis rir de si.
Um sorriso debochado. Desses que beira o desprezo por si.

Ela fingiu. Ela sabia que em algum momento fingira para si.
Excessivamente completa de si.
Excesso? Era essa pontada que a tinha afligido.
De tempos em tempos saia do seu casulo. Estava tentando se misturar entre a gente, mas o tempo sempre traz o desejo de si.
Fingia ser natural conversar com toda aquela gente. 
Era tão mais fácil quando tinha prazer em dissecá-los.
E agora que estava apenas com eles, o que fazer? 
Se somente ela cabia em si?

Um anseio:
Um dia cruzaria com aquele que saberia romper a linha tênue do seu silêncio.
O sublime momento entre deixar-lhe ali e resgatar-lhe.

Fazer o que com eles?
Fazer o que com toda essa famigerada gente que nem sequer deseja saber dela? 
Sim, ninguém quer saber dela, se o que ela quer só cabe em si.

Excesso de si para não caber o outro?
Ou vazio do outro para não preencher a si?


                                                                                                                               Aranda l”