segunda-feira, 9 de abril de 2012

Carta de despedida

                                                                            Flauta de Pan


Não chores por mim.
Até me vias, mas não me enxergavas. Eu estava ali o tempo todo, mesmo fora de mim.
Não viverás com culpa alguma, se tem alguém aqui culpado é quem vos escreve.
Culpar-me-ei por morrer em vida.
Não gastes um tostão com pompa fúnebre. Não as tive em vida, não as aceito em morte.
Durmas abraçado ao seu dinheiro e não sinta falta de mim quando descobrir que ele não compra a  solidão.
Finja que fez tudo para o meu bem, mas não esqueça que eu não estava nada bem.
Espalhe por aí que por simples querer eu não fazia nada e simulava ares de depressivo pesar. Daqui eu derramarei uma lágrima com a certeza de que eu nunca houvera desistido de mim. Não havia um dia sequer que não lutasse. Sem platéia, sem alardes, em silêncio. Eu contra eu mesmo.
Saiba que suas críticas não ajudaram em nada. Só me deixavas cada vez mais presa em uma espécie de areia movediça mental. E a cada vez eu descia mais e mais me restando apenas à cabeça pra fora daquele lamaçal. Fizeras acreditar que era um nada e eu acreditei. Olhava para todos os lados e via as muito de mim que citavas com repúdio.

Sem furtar-me de ser forte ou no limite da fraqueza confesso-lhes que lutara ao avesso, sendo exatamente o que não querias que eu fosse.

Fraca? Não enxergas que nada tem a ver com fraqueza. Só sendo muito forte para permanecer lutando sem vislumbrar qualquer sentido na vida.
Rastejava-me à custa da ingenuidade tola de querer-lhes agradar e da busca insaciável do orgulho famigerado de vós por mim e me perdera.
Culpar-me-ia por lhes dar controle sobre mim.
Eis minha culpa: Fugir de mim mesma.
Condeno-me a morte.
Mato-me.

Mato a tola garotinha perdida que fora moldada ao vosso querer.
Mato meu ouvido que clama elogios para se sentir amada.
Mato minha cabeça que implora o passar de vossas mãos a dizer que fora uma boa menina.
Mato minha mente domesticada a querer-lhes agradar.
Mato novamente minha mente com dois golpes: o primeiro esfacela a insegurança fruto da necessidade de mostrar-lhe a perfeição e o segundo despedaça o temor de errar.
Mato mais uma vez minha mente por não entender que podia vos contrariar, sim. Por não entender, e não fazê-los entender, que discordar, debater, enfrentar e não aceitar o que vós querias, ou achavas ser o certo pra mim, não era falta de respeito e nem tão pouco de amor.
Mato definitivamente minha mente por me deixar cair nos emaranhados das vossas chantagens emocionais.
Mato minha voz por se calar.
Mato meu corpo que embora tenha lutado contrariado deixou de ser ele se auto punindo.
Mato meu peito estufado de orgulho por ter feito tudo que vós querias.
Mato meu ser agradecendo ao inconsciente por ter trazido à tona a consciência lúcida através desse corpo que agora mato.
Não lhes furto da verdade de como era: Alheia e à mercê. Por muito tempo envolta no véu da ignorância seguindo uma vida que achava que possuía. Só tinha um aliado: a inconsciência. Esta que trabalha em silêncio, mas lança sinais tão gritantes. E sem notar eu continuava lá me auto boicotando e flagelando-me sem nem dar-me conta disso. Mas agora a consciência berra enchendo-se de si e implodindo internamente. Começo a enxergar. Verdades lancinantes. Lucidez.
A tal areia movediça, na verdade era fluída e límpida. Podia me mexer livremente. Noto que havia me entregado a desesperança. O medo me impedira todo esse tempo. Havia me anulado.
Dou-me conta que abandonara meu eu em algum quartinho vazio e escuro dentro de mim.Liberto-o.
Gostos, sonhos, desejos, interesses, vontades tudo era meu. Somente meu. Retomo-os.
Percebi que merecia muito mais e não havia pudores em me achar especial.
Despertar-me-ei.
Havia um brilho no olhar. Dessa vez seria por conta própria e eu estava pronta para arriscar. Ansiava até errar pra sentir-me viva.
Sepultura a mediocridade. Sarcasticamente dou minhas condolências à estúpida necessidade de aprovação. Já não precisava provar nada, nem a vós, nem a qualquer um que fosse. Não desejara orgulhar ninguém que não a mim mesma.
Entendes? Eu havia matado a mim mesmo para ressuscitar meu verdadeiro eu.
Saiba que não foram vossos discursos vazios que me impulsionaram. Nada tem a ver com vós. Havia lutado internamente em batalhas diárias que nem ousastes perceber. É o meu tempo, meu tempo que havia chegado. Tempo de travessia para a maturidade.
Estava a salvo. E dessa vez, vós que estavas à mercê.
Não me conheces e não sabes nada sobre mim.
Despeço-me com prazer.
Morta pra vós.
Livre por mim e para mim.


                    
                                                                                  By Aranda l”

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