Deitada em sua cama – quem não a conhecesse, ao
vê-la ali, imaginaria que vegetava. Não deixara de ser verdade, ela estava
presa em si mesma.
Naquela fria madrugada acordou-se de sobressalto
e com os dedos retorcidos por dentro da gola da camisa, levantou a si mesma
a dois palmos do chão e com um furor que beirava a odiosa compaixão
imprensou-se na parede, fitando os olhos naquilo que havia se tornado.
Não era um devaneio, nem sequer loucura. Chegara
ao limite de si mesma. Fina linha tênue entre a vida e a morte. Tempos e tempos
podiam se passar a mirar o nada. Mas era um nada tão cheio de tudo, e ela
estava, literalmente, tão cheia de tudo que transbordara de si em si mesma. Não
sentia amor, nem tampouco tristeza. Apenas a plenitude do silencioso vazio.
Ela já não se reconhecia para saber quem é, já
não sabia quem fora e nem ousara imaginar quem seria – e se seria algo algum
dia. E por que teria que ser? Por que haveria de ser?
Ela tentava entender, mas quanto mais tentava se
via caminhando para o nada – indo para longe da vida. Olhava para trás se
desaproximando do fino véu nevoado que a separava de si mesma.
Ouvia vozes doces em seu ouvido – os outros. Ah!
Os outros não a bastava. Não porque ela não quisesse, mas porque isso
simplesmente não bastaria. Ela até os queria, mas o não querer de si mesma era mais forte. Entendera que não tinha nada a ver com qualquer um que fosse, era ela
com ela mesma. Só existia ela com seu próprio eu carrasco.
Há um momento em que nem a si mesmo se consegue
enganar. O seu eu parece que vem lhe pedir satisfações. Parece inconformado com
você, por vezes chateado – agora sempre sério e severo lhe espreita – ele quer satisfações.
O que fizera da sua vida? Deixara você livre por muito tempo e você sente que
fizera tudo errado.
Afrouxa as mãos do pescoço, cai no chão, enfia a
cabeça entre as pernas sobre-erguidas e permanece lá no canto da parede.
Doía o nada, doía ser um nada. Por que e para que
seguir em frente? Não havia vontade. Não
existia esperança. Só havia angústia. Uma angústia fina e excruciante que ela
se apegara tal qual uma simbiose para lembrá-la que ainda estava viva – um fingido
viver: quase viva ou quase morta.
Mira o relógio antigo, empoeirado e sem mexer nenhum
dos seus ponteiros. Simpatiza por ele – em algum momento havia parado no tempo,
tal qual ele. À mercê de tudo e todos. Vagando no limbo existencial. Sabia-se á
margem de si.
Por alguns instantes enxergava um véu cristalino
entre seu mundo à parte e o real, aproximava suas mãos delicadas tocando-o levemente como se flutuasse por fluídas águas, sentia vontade de ter sua
vida de volta. Mas imediatamente desencostava as mãos e perguntava-se: Que
vida? Que maldita vida? Já não sabia se tinha mais vida, mas não desejava
aquela sobrevida.
Espreitava de olho de canto toda aquela gente que
supostamente vive. Entediada fazia cara de repulsa. Esboçava náusea. Não queria ser igual a toda essa corja da sociedade, ou não assumiria ser.
Começara a ter raiva dos outros, além de si
mesma. Era reconfortante. O limite a cutucara – naquele momento a raiva era o
único sinal de vida dentro de si.
Aranda l”
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